‘Água Funda’ é leitura obrigatória da Fuvest

Romance pós-abolicionista foi escrito em 1946 por Ruth Guimarães

Redação FamiliarIdades
'Água Funda' se passa na fazenda Olhos d’Água, na região rural do Vale do Paraíba, em São Paulo, durante os anos finais da escravidão e as primeiras décadas do século 20. Foto: Getty Images.
‘Água Funda’ se passa na fazenda Olhos d’Água, na região rural do Vale do Paraíba, em São Paulo, durante os anos finais da escravidão e as primeiras décadas do século 20. Foto: Getty Images.

O livro “Água Funda”, de autoria da escritora negra Ruth Guimarães, é um romance pós-abolicionista escrito em 1946. Após 57 anos de sua primeira edição, o livro ganhou reconhecimento e foi relançado em 2018. Mais: ele agora faz parte da lista de leitura obrigatória da Fuvest, o maior vestibular do Brasil.

Ruth Guimarães valorizava a cultura, a sabedoria e a linguagem caipira ao utilizar o folclore como base para sua criação literária. “No entanto, nem por isso transcreve documentalmente o falar das comunidades representadas, procedimento que quase sempre resulta em uma caricatura”, afirmou ao Jornal da USP Marise Hansen, doutora e professora assistente de Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da universidade.

No livro “Água Funda”, a escritora elabora uma “linguagem que está entre o popular e o erudito e que articula diferentes identidades”, pontuou o crítico e professor Antonio Candido.

Em geral, suas obras ao estilo literário realismo fantástico são recheadas de elementos folclóricos, marcas da cultura indígena e exaltação da cultura negra. Claro, sem deixar de lado a crítica social. O regionalismo e a valorização da oralidade estão presentes na obra. 

Água Funda

A história do livro remete a um contexto de últimos anos da escravidão com indicação da abolição. Assim, muitos resquícios da cultura escravagista ainda permeavam as relações sociais. Então, eram regradas pela opressão e violência, exploração e desumanização, além de preconceitos e machismos.

“Apesar disso, Ruth não visa ao retrato documental ou objetivo da realidade”, destacou Marise.

A aproximação com a tradição modernista pode ser observada no modo como a escritora construiu seu romance. Segundo Marise Hansen, “Água Funda reúne traços das duas gerações modernistas que a antecederam. Há o aspecto experimental, caracterizado pela fragmentação, por descontinuidades, mistura de perspectivas e justaposição de instâncias da realidade”. 

Ruth viria a descrever Água Funda: “Esta história foi um gigantesco brinquedo de armar, cujas peças vieram, aos poucos, trazidas por gente contadeira de casos. Testemunhei o fim, entre 1928 e 1929.” 

A linguagem da narrativa é recheada de palavras de origem indígena, africana e portuguesa, bem como ditados e provérbios da cultural brasileira. 

Fazenda Olhos d’Água

O romance se passa na fazenda Olhos d’Água, na região rural do Vale do Paraíba, em São Paulo. O período? Os anos finais da escravidão e as primeiras décadas do século 20.

O narrador do livro apresenta uma ambiguidade interessante, ora contando a história em terceira pessoa com uma postura onisciente, ora se revelando um membro da comunidade que testemunha os acontecimentos.

Marise explicou que o foco narrativo “é uma das soluções mais interessantes encontradas pela autora para contar a história, pois ele apresenta uma ambiguidade, pode-se mesmo dizer um ‘mistério’, que muito se articula com a atmosfera geral”. 

As histórias de Sinhá e Joca são contadas em terceira pessoa. Mas, em certos momentos, o narrador é onisciente, revelando-se membro da comunidade, com uso da primeira pessoa e do diálogo com um interlocutor anônimo a quem se dirige como “moço”.

O romance carrega certo misticismo que se manifesta através de lendas e da cultura popular, como a entidade lendária chamada ‘Mãe de Ouro’, além de referências a ‘qualquer tempo’ e ‘qualquer parte’. 

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